domingo, março 19, 2006

o chuveiro feminista

Tinha acabado de desligar o chuveiro quando o telefone tocou. Até chegou a pensar se deveria ou não correr, mas vislumbrou a possibilidade de uma pneumonia ou de se estatelar pelada no caminho da cozinha, que era onde ficava o telefone mais próximo, e acabou desistindo da ligação. Quem quer que fosse deixaria um recado na secretária eletrônica se fosse realmente importante.
Mas o telefone tocou só duas vezes e parou. Não teve recado na secretária. Ela então, começou a se enxugar e a arrumar o seu cabelo dentro de um turbante de toalha pra poder secar melhor. Chegou a cogitar a possibilidade de buscar o telefone sem fio na sala, mas resolveu que não. Ela ia terminar o seu banho primeiro, depois pensaria em telefonemas.
Desde que o chuveiro de seu banheiro queimou, ela teve que vir tomar banho no banheiro social – já tinha uns 15 dias que ela só tomava banho lá – e ela percebeu que seu namorado, ou ex ou sei lá o que ele era, fazia mais falta do que ela imaginava.
Mas foi ela mesma que num ataque de feminismo resolveu dar cabo daquele relacionamento de quase um ano. E bem logo ela, a feminista, estava ali pensando na necessidade de um homem pra se arrumar um chuveiro.
O fim do namoro se deu quando Paulo, mais uma vez, gentilmente resolveu pagar a conta do restaurante onde eles comeram um delicioso risoto de camarão com direito a vinho importado e sobremesa flambada na mesa por aquele mâitre com um falso sotaque francês. Acontece que era a comemoração do primeiro salário que ela tinha recebido depois de ter sido promovida no escritório onde trabalhava, e ela fazia questão absoluta de pagar a conta. Ele por sua vez, muito cavalheiro, diga-se de passagem quis pagar o jantar como uma espécie de presente.
Bastou ele entregar ao garçom sorridente o seu cartão de crédito para que ela começasse a levantar todas as questões e bandeiras do feminismo, falando que ele estava tentando se sentir superior, desvalorizar o salário dela, se impor diante dela, e coisa e tal. Começou a fazer um discurso tão grande que Paulo chegou a afastar a vela que estava na mesa pra que ela não resolvesse queimar o seu sutiã.
Ela saiu batendo o pé, se recusou a entrar no carro dele e pagou, com seu próprio dinheiro o táxi pra casa. E pronto. Fim.
Paulo ligou ainda na mesma noite umas oito vezes e ela não atendeu, mas depois de três dias ela acabou topando se encontrar com ele, mas eles não conversaram sobre o fim do relacionamento em nenhuma ocasião. Em todos os encontros, desde então, eles só faziam sexo e ela fazia questão de mandá-lo embora antes que quisesse começar a falar.
O telefone tocou de novo e dessa vez ela correu pra atender, mas já sabia quem era. Paulo a convidou pra sair. Ela terminou de se arrumar – caprichou horrores.
Mas só que dessa vez, diferente de todas as outras, o sexo foi ruim.

Por que ela não conseguia parar de pensar no chuveiro quebrado. Pensava se pedia penico e implorava desculpas pelo seu rompante de feminismo e pedia ajuda no chuveiro, ou se simplesmente perguntava o telefone de um eletricista – droga, será que é um bombeiro hidráulico?
Bom, ela resolveu fazer as pazes, Paulo arrumou o chuveiro e agora cada vez um paga a conta dos lugares onde eles vão. E eles tomam banhos juntos no chuveiro arrumado, sem machismo e sem feminismo.

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