sexta-feira, março 31, 2006

renuncia

Hoje não existe nada mais entre nós
Somos duas almas que se devem separar
O meu coração vive chorando e minha voz
Já sofremos tanto
Que é melhor renunciar
A minha renúncia
Enche-me a alma e o coração de tédio
A tua renúncia
Dá-me um desgosto que não tem remédio
Amar é viver
É um doce prazer, embriagador e vulgar
Difícil no amor é saber renunciar

Roberto Martins - Mário Rossi

é que "certas canções que ouço, cabem tão dentro de mim, que perguntar carece: como não fui eu quem fiz????" Milton Nascimento

segunda-feira, março 27, 2006

já me matei...

já me matei faz muito tempo
me matei quando o tempo era escasso
e o que havia entre o tempo e o espaço
era o de sempre
nunca mesmo o sempre passo

morrer faz bem à vista e ao baço
melhora o ritmo do pulso
e clareia a alma
morrer de vez em quando
é a única coisa que me acalma

Paulo Leminski

sábado, março 25, 2006

noite longa

Naquele dia ela pensou nele um pouco mais do que pensava normalmente.
Em alguns momentos chegou a sentir seu cheiro. Noutros sentiu seu gosto.
Ela estava lá, pensando em alguma coisa qualquer e de repente – PÁ – lá estava ele no seu pensamento.
Pensou nos seus olhos e como eles invariavelmente fogem dos dela.
Pensou muito na sua mão grande e bonita e forte e no seu braço que ela adora.
Pensou nas suas costas, nos seus pés, nos seus cabelos, barbas e bigodes.
As vezes tinha até certeza das reações que ele teria diante de algumas situações.
Pensou na voz dele. Na diferença de tom de quando ele falava de uma coisa qualquer pra quando ele sussurrava no seu ouvido.
Ela pensou como seria bom se ele estivesse ali por algumas horas do seu dia.
Pensou se ele também estaria pensando nela. Se estaria se lembrando de seu gosto, do cheiro, do cabelo, corpo, mãos, pés...
Pensou se ele em algum momento do seu dia cogitou sua presença. Ou se ele pelo menos quis falar com ela só pra ouvir sua voz.
Ela sabia, tinha consciência de que podia ser tudo coisa apenas de sua cabeça. Que ele poderia ter passado todo o dia ocupado com outras coisas e pessoas e não ter sequer passado seu pensamento por ela.
Sabia também que a qualquer momento ele poderia não mais voltar; o que de certo não a faria morrer mas fatalmente a deixaria muito triste.E naquele dia, depois de muito tempo, ela achou a sua cama grande demais, o tempo frio demais e a noite longa demais

quinta-feira, março 23, 2006

de onde voce vem

De onde foi mesmo que você veio? Até onde eu consigo me lembrar estava tudo certinho, cada coisa em seu lugar, meu coração tranqüilo e meus sentimentos adormecidos. Mas eis que você se materializa e me tira do meu lugar, desperta os sentimentos mais bem guardados e bagunça tudo. Pra todo mundo.

Mas aí, você vai embora e eu consigo começar a organizar a bagunça que você deixa e nessa hora eu juro que nunca mais abro essa porta pra você entrar. E eu conseguiria, se dois minutos depois você não viesse com as palavras mais doces e os sentimentos mais sacanas me levar mais uma vez. Me diz, de onde você vem?

coração bobo

É como uma flor que se abre depois de uma chuva forte. É assim que o meu coração aprende as coisas. Ele precisa de uma tempestade, de uma paulada na cabeça. Precisa ficar perdido, desnorteado, sem chão. Necessita de dor e solidão e então, de repente vem uma calmaria, uma tranqüilidade e meu coração fica sereno e a partir daí ele começa a assimilar as informações com mais facilidade e então, somente a partir desse momento eu passo a aproveitar realmente a situação.

bom

Eu gosto tanto de te saber aqui por exemplo, numa segunda feira de manhã. É tão bom conversar horas de besteira com você nas posições em que acomodamos mais esdruxulamente as nossas pernas. E você esticar um pouquinho o seu braço e brincar com um carrinho esquecido embaixo da cama enquanto eu carinho as suas costas. E te beijar e começar tudo outra vez, sem pressa. Observar suas mãos, encaixar os meus pés nos seus, fazer amor até cansar. Tomar um banho e voltar pra cama. Sem pressa. E pensar em como você não tem noção de como eu me sinto ao te beijar no meio de um supermercado com desejo suficiente pra te amar para o resto de minha vida.

quarta-feira, março 22, 2006

confissão

Não cabe mais dentro de mim, não dá mais pra segurar. Quero falar sobre o que eu sinto. Quero falar pra você, pra que você saiba. Não quero nada de volta. Não tenho nenhuma pretensão de ter de volta o que eu sinto por você, mas as vezes eu queria mesmo que você soubesse.
Soubesse do quanto te amo. Quanto a sua presença me alegra. Quanto a sua existência me conforta.
Queria te contar que com o que eu sinto hoje eu viveria o resto dos meus dias ao seu lado. Que o meu amor é suficiente pra agüentar os trancos de uma convivência maior.
Queria olhar nos teus olhos e propor cuidar de você até que acabe esse amor louco que eu sinto. Te dizer que a qualquer hora eu estarei aqui, disponível. Te dizer que quero passar com você os seus melhores momentos. Que quero te ajudar nos seus piores. Dizer que quero construir com você uma vida cheia de prazer.
Eu quero dizer, chuchu, que eu te amo com toda a força do meu coração.

quero colo

Hoje eu quero colo. Hoje eu preciso de carinho. Hoje eu queria contar tudo o que me aconteceu e me tirou do sério pra alguém que me entendesse. Pra alguém que soubesse exatamente pelo que eu estou passando. Alguém que já passou pelo que eu passei.
Hoje eu merecia cafuné. Por muito tempo. Cafuné caprichado com música bonita. Cafuné com carinho.
Hoje eu merecia beijo na boca. Beijo na boca caprichado. E com carinho. Pra tirar minha cabeça do meu dia e me transportar pra uma noite nova.
Hoje eu merecia uma noite nova, recém começada. Sem nenhum pensamento que atrapalhe.
Hoje eu merecia deitar aqui e dormir. Mas merecia dormir ao seu lado, com a sua respiração na minha nuca e suas pernas no meio das minhas. Mas não vai acontecer.
E isso é só mais uma coisa que não vai acontecer. Por que o fato é que eu vou terminar essa noite insone, sem cafuné e beijo na boca e sozinha na cama.
E durma com um barulho desses.

domingo, março 19, 2006

o chuveiro feminista

Tinha acabado de desligar o chuveiro quando o telefone tocou. Até chegou a pensar se deveria ou não correr, mas vislumbrou a possibilidade de uma pneumonia ou de se estatelar pelada no caminho da cozinha, que era onde ficava o telefone mais próximo, e acabou desistindo da ligação. Quem quer que fosse deixaria um recado na secretária eletrônica se fosse realmente importante.
Mas o telefone tocou só duas vezes e parou. Não teve recado na secretária. Ela então, começou a se enxugar e a arrumar o seu cabelo dentro de um turbante de toalha pra poder secar melhor. Chegou a cogitar a possibilidade de buscar o telefone sem fio na sala, mas resolveu que não. Ela ia terminar o seu banho primeiro, depois pensaria em telefonemas.
Desde que o chuveiro de seu banheiro queimou, ela teve que vir tomar banho no banheiro social – já tinha uns 15 dias que ela só tomava banho lá – e ela percebeu que seu namorado, ou ex ou sei lá o que ele era, fazia mais falta do que ela imaginava.
Mas foi ela mesma que num ataque de feminismo resolveu dar cabo daquele relacionamento de quase um ano. E bem logo ela, a feminista, estava ali pensando na necessidade de um homem pra se arrumar um chuveiro.
O fim do namoro se deu quando Paulo, mais uma vez, gentilmente resolveu pagar a conta do restaurante onde eles comeram um delicioso risoto de camarão com direito a vinho importado e sobremesa flambada na mesa por aquele mâitre com um falso sotaque francês. Acontece que era a comemoração do primeiro salário que ela tinha recebido depois de ter sido promovida no escritório onde trabalhava, e ela fazia questão absoluta de pagar a conta. Ele por sua vez, muito cavalheiro, diga-se de passagem quis pagar o jantar como uma espécie de presente.
Bastou ele entregar ao garçom sorridente o seu cartão de crédito para que ela começasse a levantar todas as questões e bandeiras do feminismo, falando que ele estava tentando se sentir superior, desvalorizar o salário dela, se impor diante dela, e coisa e tal. Começou a fazer um discurso tão grande que Paulo chegou a afastar a vela que estava na mesa pra que ela não resolvesse queimar o seu sutiã.
Ela saiu batendo o pé, se recusou a entrar no carro dele e pagou, com seu próprio dinheiro o táxi pra casa. E pronto. Fim.
Paulo ligou ainda na mesma noite umas oito vezes e ela não atendeu, mas depois de três dias ela acabou topando se encontrar com ele, mas eles não conversaram sobre o fim do relacionamento em nenhuma ocasião. Em todos os encontros, desde então, eles só faziam sexo e ela fazia questão de mandá-lo embora antes que quisesse começar a falar.
O telefone tocou de novo e dessa vez ela correu pra atender, mas já sabia quem era. Paulo a convidou pra sair. Ela terminou de se arrumar – caprichou horrores.
Mas só que dessa vez, diferente de todas as outras, o sexo foi ruim.

Por que ela não conseguia parar de pensar no chuveiro quebrado. Pensava se pedia penico e implorava desculpas pelo seu rompante de feminismo e pedia ajuda no chuveiro, ou se simplesmente perguntava o telefone de um eletricista – droga, será que é um bombeiro hidráulico?
Bom, ela resolveu fazer as pazes, Paulo arrumou o chuveiro e agora cada vez um paga a conta dos lugares onde eles vão. E eles tomam banhos juntos no chuveiro arrumado, sem machismo e sem feminismo.

sábado, março 18, 2006

não

Não. Não são lágrimas. Meus olhos estão assim, cheios d’água por causa da poeira que você deixou pra trás na hora que foi embora e não olhou pra o que estava sendo deixado.
Não. Não é febre. Minhas mãos estão suadas de ansiedade e de dúvida se você volta pra segurá-las.
Não. Não é frio. Eu estou tremendo desse jeito por que meu desejo transborda.
Não. Eu não estou rouca. É só um nó na minha garganta que me impede de falar o que eu sinto.
Não. Eu não estou cansada. Minha respiração está assim, ofegante por que eu lembrei de você num momento que me exige mais fôlego.
Não. Eu não estou com medo. Meu coração está batendo forte assim porque eu te amo.

conversa com um interlocutor imaginário

Podia mesmo era estar chovendo e assim o calor ia diminuir. Porque, sinceramente, não tem graça nenhuma esse calor de nada. Só de quente.

Se estivesse chovendo aí eu podia mesmo era estar morrendo de calor, mas calor de bom. De tesão. Calor de dar vontade de tirar a roupa e ir correndo pra debaixo da chuva e, de repente, até ficar por lá mesmo até baixar o fogo...

E então com o calor já aumentado pelo contato incessante com o seu corpo e depois abrandado pela chuva eu podia muito bem sentir um pouco de frio e enroscar as minhas pernas nas suas por baixo do edredom.

E com as pernas emboladas, a gente podia ficar bem quietinhos, sem falar palavra, se possível sem nem respirar por que assim eu ia conseguir ouvir o som do prazer terminando de passear por nossas correntes sangüíneas e podia prestar bem atenção e sentir o cheiro da adrenalina, misturada com o do seu suor, e do meu e o do incenso que eu acendi antes.

E daí, a gente podia, depois disso, dormir ou ler ou só ficar ali mesmo, daquele jeito sem ter que dar satisfação pra ninguém, sem precisar ajustar o despertador e nem pensar nos compromissos que cada um tem amanhã.

E quando estivermos bem quentinhos e já quase nos entregando ao sono, alguém ia ter uma idéia de uma brincadeira bem legal, e aí a gente ia brincar e brincar até ninguém agüentar mais o edredom na cama e eu ia sair atrás de um ventilador e uma garrafa de água gelada.

E quando a gente dormisse, podíamos sonhar com amenidades ou coisas desconexas. Nada que faça nenhum sentido. E eu não sonharia com você, e nem você comigo. Teríamos o sono dos justos e dormiríamos até o sono acabar.

Um banho, um copo de café ou de leite com nescau e vamos embora, cada um para sua vida sem precisar de maiores despedidas ou de combinar nada porque a gente sabe que os nossos corpos vão - de novo – se atrair como ímã tão logo sintamos calor novamente. Ou, a chuva caia.

quarta-feira, março 15, 2006

CORAGEM

O tempo falta. E se tivesse mais tempo, talvez me faltasse energia. E se tivesse energia, talvez me faltasse vontade. E se tivesse vontade, talvez me faltasse coragem. E se eu tivesse coragem, talvez eu quisesse ter menos tempo.
Na realidade a vontade é que o tempo pare, congele em um momento bom. Assim, o resto do tempo seria uma fotografia de um sorriso, de um céu bem bonito ou do meu filho dormindo, tocando ou brincando com aquela carinha de anjo que veio cuidar de mim.
Mas o tempo congelado podia também ter som. De chuva caindo no telhado, de riso de criança, ou de uma gargalhada bem dada, mesmo. Ou até trilha sonora. Podia ser violões, bandolins, violinos, flautas e contrabaixos. Umas pessoas cantando. O meu filho inventando uma música em uma língua desconhecida.
Cheiro também seria bom! Cheiro de chocolate derretendo. Ou cheiro de chuva molhando a terra seca há mais de dois meses, ou de grama recém cortada ou aquele cheirinho que todo bebê tem e que o meu filho aos pouquinhos está perdendo e trocando por um outro cheiro bem diferente, porém igualmente bom. Cheiro que eu vou me lembrar para o resto da minha vida.
Por que, infelizmente o tempo não se congela e essas coisas boas vão acabar em algum momento deixando de estar presentes e se transformando em simples lembranças. Lembranças muito boas.
Por isso eu queria que o tempo parasse. Porque eu não tenho coragem, nem vontade, nem energia e muito menos tempo para aproveitar da forma como eu deveria as coisas que – eu sei – vão acabar como lembranças.